A França é um belo detergente e mais ainda é aquela que se diz laica. A lei do véu em França não visa defender as mulheres, muito menos as muçulmanas. Surge como mais uma tentativa de uniformizar (à francesa, claro está!), de abafar a diferença. A lei que obriga a tirar o véu não é melhor do que a lei que o impõe. É uma lei hipócrita! Porque o laicismo à francesa continua a reger-se por linhas católicas deploráveis. Numa das escolas onde dei aulas, burocratas invadiam as minhas aulas em pleno Ramadão, à caça dos alunos rebeus que faltavam nesses dias. Só se podia entrar no liceu de cabeça descoberta, isto é, nada de véu, nem boné, nem chapéu, nem mesmo um gorro em dias de 10 graus negativos. Um dia, um puto recusou-se a tirar o boné durante o intervalo e a presidente do conselho directivo acabou a rebolar no chão à pancada com o miúdo. Este laicismo mascarado é patético e gera conflitos ridículos. É uma falsa liberdade e uma forma de legitimar um racismo imundo.
Vozes que se reivindicam feministas colocam no mesmo saco o uso do véu e rituais horrendos de castração feminina. Só posso entender esse tipo de comparações como obscenidade e ingenuidade. Mas ainda há quem acredite que é uma conquista feminina a lei do véu, há quem se esqueça à ocidental, das mulheres que o catolicismo ainda cobre de luto, dos pés à cabeça e das outras de umbigo encostado ao fogão e voz mansa e de todas as que são esbofeteadas e violadas pelos maridos com o aval dos deuses islâmicos, católicos e olímpicos. Mirem sim o exemplo daquelas mulheres de Atenas.
«Sexta-feira à noite
os homens acariciam o clitóris das esposas
com dedos molhados de saliva.
O mesmo gesto com que todos os dias
contam dinheiro papéis documentos
e folheiam nas revistas
a vida dos seus ídolos.
Sexta-feira à noite
os homens penetram suas esposas
com tédio e pênis.
O mesmo tédio com que todos os dias
enfiam o carro na garagem
o dedo no nariz
e metem a mão no bolso
para coçar o saco.
Sexta-feira à noite
os homens ressonam de borco
enquanto as mulheres no escuro
encaram seu destino
e sonham com o príncipe encantado».
Marina Colasanti, Sexta-feira à noite
Argélia
Nazaré