Adelaide

Era um bebé animal que se ouvia a ela própria a uivar por dentro enfurecida, mesmo antes de começar a gatinhar. A avó deu-se conta, antes que a pequena fissura umbilical cicatrizasse. Aproveitou a ocasião para repreender a filha, moendo o despeito, roendo, tolhendo o ciúme: «Foste tu que lhe passaste a revolta e deixaste a menina irrequieta. É bicho como tu». Mas Arminda sabia que o bicho vinha de longe e que o sangue fervia na menina por causa dela. E suspirava no crepúsculo: «Ai minha rica filha que logo havias de herdar o meu cismar de totinegra». Quando se apercebeu de que a neta começava a querer mastigar sem dentes intrigou-lhe que a pele da menina não escurecesse mais. À noite desabafava com o Augusto que não percebia aquelas dúvidas: «Isso já é delírio da tua cegueira pela criança. Não escurece mais, como não escureceram as outras. Saem mais a mim, o meu sangue é mais forte que o teu». A Arminda não se convencia: «Esta não Augusto. Esta já come sem dentes, tem o meu olho e o meu cheiro». E então a Arminda punha a menina a corar ao sol, junto com a roupa do estendal, no sétimo andar de prédios azuis e vermelhos em praceta, todos da mesma altura, de doze e treze andares com janelas de alumínio. E enquanto Luísa latia com pavor que a mãe lhe matava a menina, a menina que a mãe lhe roubara, com manha e despeito de canino, a Arminda defendia-se a dizer que a filha era louca: «És como aqueles furacões dos trópicos, que a gente tinha de ficar quieta e calada, sem tugir nem mugir, à espera que passassem. Não vês que estou a impedir que a menina fique raquítica como tu?». Era aí que Luísa procurava o olhar da filha e percebia porque é que Adelaide tinha ficado dentro dela dez meses e não nove como os outros, porque devia adivinhar, ainda em embrião, que um dia as guerras de fêmeas e de gerações a afastariam irremediavelmente da mãe. E o olho de Adelaide cismava intrigado, o sangue de bicho fervia ao sol, nos subúrbios mais feios de Lisboa, enquanto Arminda a embalava, com o mesmo bambolear que fazia com Luísa nesses trópicos de furacões. Com o mesmo gesto, ditou para sempre o olhar, o sangue vulcânico e o sono perturbado de duas mulheres. A Arminda a trautear com a menina tombada no ombro e a cabeça virada para baixo já a tocar na omoplata, a andar, a bambolear, a Arminda a cismar com o crepúsculo.

Semana tépida

Previa para esta semana um fulgor de produtividade e no final de contas acabou por ser um marasmo total. Há dias em que ser gaja é um pavor, especialmente porque as hormonas não só transtornam de todo o gajedo, como se fazem acompanhar de enxaquecas que a mim me deixam sem conseguir funcionar de todo. Lá fora a blogosfera congratula-se com o tempo, nos diversos países da entourage. Para mim, esta semana primaveril deixou-me apenas morna de inacção.

Alentejo

Este Alentejo está diferente do Alentejo da minha lembrança. Está mais verde, limpo e fresco. Como que para me lembrar que a Primavera está ai a chegar, e com ela este verde limpo e fresco.

A noite é calma no parque de campismo. Ouvem-se os pássaros e o som do perif distancia-se cada vez mais dos meus ouvidos.

O dia é cada vez mais físico e o cansaço acumulado substitui os olhos inchados e as enxaquecas da vida de rato de biblioteca.

Rato da cidade / rato do campo.

:)

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