Votos de um Natal zen



O nomadismes deseja um Natal pacifico e com boas energias a todas as almas nómadas e sedentárias que por aqui passam. Muitas rabanadas e poucos sarilhos!

Mais francesismos

Na sua mais recente barbaridade e expressão de ignorância, Marine le Pen comparou as orações dos muçulmanos em lugares públicos a um acto de ocupação. Depois desculpou-se dizendo que um acto de ocupação não é necessariamente ligado à ocupação alemã da segunda guerra mundial, mas a outros exemplos como a ocupação inglesa no tempo de Joana D'Arc. Bref... Mais curiosa, julgo eu, a opinião da ala conservadora do PS que considera intolerável a oração muçulmana nas ruas de França. Não espero muito tempo para ouvir em breve mais uma lei de caça às bruxas nesta terra, onde a discussão sobre o laicismo já passou todos os níveis do bom-senso. Laurent Joffrin num artigo intitulado "Préjugés" publicado no Libération esforça-se por recordar a esta gente confusa e delirante o que significa realmente laicismo:

"La laïcité ne consiste pas à s’attaquer à telle ou telle religion comme on brandissait jadis l’épée des croisés. Songerait-on, par exemple, à interdire les processions catholiques ? La laïcité - la vraie - consiste à garantir la neutralité de l’Etat et à organiser la tolérance envers les cultes reconnus, qui ont droit de cité aux termes de la tradition républicaine. Il serait bon de s’en souvenir".

o artigo completo para quem precisar de ser esclarecido: http://www.liberation.fr/societe/01012309461-prejuges

Francesismos

A médica simpática perguntou-me se eu trabalhava. Sim, disse eu, dou aulas de português. Sorriu imediatamente. Sorriem sempre quando digo isto, de repente perdoam-me o sotaque, perdoam-me o facto de ser portuguesa sem ter bigode e sem ser porteira. Passam a tratar-me bem. Parece-lhes de repente tudo lógico. É uma frase que esclarece todos os equívocos. Se dou aulas de português em França, de repente já faz sentido o facto de morar cá, já não estou a roubar nenhum trabalho aos franceses, a minha emigração torna-se aceitável e mesmo apreciável. Coisa que nunca aconteceu quando disse que escrevia uma tese sobre o teatro do absurdo. Era o que faltava mais uma emigrante inútil a aproveitar-se do nosso sistema de saúde. Quando cá cheguei respondia à mesma questão dizendo que era empregada doméstica ou que estudava. Nem sempre lhes parecia lógico que andasse por cá a estudar. Já empregada doméstica assentava que nem uma luva no meu sotaque e condição. Mas tratavam-me sempre pior. Nunca sorriam. Gosto de sentir esta mudança de tratamento, de condição, as pequenas vitórias que alcancei como ter um apartamento em vez de um quarto com wc no corredor. Nutro-me com sentimentos comezinhos, incho-me de alegria por já não ser tratada como porteira. Devia ter vergonha na cara e revoltar-me por de repente me começarem a tratar bem por motivos tão estúpidos. Não é o facto de ter o buço feito e de não ganhar mais a vida a limpar a merda destes gajos que me faz merecer ser bem tratada. Quanto mais me apercebo da hipocrisia e xenofobia dos franceses, mais sei o quão cobarde sou por ter entrado no sistema e hoje saber como me fazer respeitar e pô-los a sorrir em vez de escarrar. Nada me resta senão aceitar a minha cobardia e deliciar-me com endívias e coquilles Saint Jacques. Não me sobram muito mais ideais para além de me esforçar por ser competente no meu trabalho e estar ao dispor da minha entourage. Este é um tempo parco em certezas e eu só sei que não quero voltar a ganhar a vida a fazer faxina.

Prima Dona



«Oui, l’impression de plus en plus que si je n’étais pas tenue – (geste) – de cette façon, je m’en irais tout simplement flotter dans l’azur. (Un temps.) Et qu’un jour peut-être la terre va céder, tellement ça tire, oui,craquer tout autour et me laisser sortir».

Samuel Beckett, Oh les beaux jours



Acabo de ver no Théâtre de l'Athénée a menina dos olhos do Visconti e do Strehler a representar uma das melhores e mais verdadeiras Winnies de sempre. Com a poesia certeira de Bob Wilson. Winnie aparece desta vez no meio de um penhasco de asfalto. E é com muita alegria que vou ver esta prima dona de novo em italiano.Há alguém no Olimpo que gosta de mim e me presenteia com a tournée desta peça a passar por Roma quando eu lá estou. Grazie tanto Adriana Asti!!!

Plágio descarado e sem vergonha

Hoje, a dois dias de mais um mês e meio (pelo menos) de nova nomadização para mim, a uma semana de nova mudança nómada para ti, tornei-me nostálgica e fui em busca do teu primeiro post neste estaminé. Foi a 11 de Maio de 2006. E foi assim:


nómadas e descalças



Abre a janela quando o meu fumo lhe ocupa o quarto
E estende-me um casaco de malha.
Não me fica bem o azul
Não lhe ficam bem os cigarros.

Almoçamos às cinco da tarde num dia cinzento,
Descansamos sem horas nem estações.
Quotidiano sem peso de tempo que me facilita os dias.

Queixa-se de ter engordado,
De não dormir bem,
De serem cinco da tarde.
Sorrio cúmplice,
Relativizo-lhe as queixas,
Procuro dar-lhe leveza às horas.

Ela limpa-me a euforia e o terror,
A náusea e o cansaço,
Cala-me a fome e o insulto,
Mede-me a lucidez.

«Pensei que viesses ontem,
Que dia é hoje?»

Já cheguei, minha amiga
E vou-te arregaçar as mangas antes que sejam cinco da tarde.
Escolher contigo as palavras
Com a cumplicidade com que escolhemos fruta no mercado
Limpar-te as dúvidas e a gramática.

Mais do que a resistência deste exílio
Valem o caminhar na nossa nómada rotina
E os passos descalços, como aqueles que usamos
Cá em casa.

Revolutionary Road - o filme



"- Didn't have to be Paris...
- You just wanted out hein?
- I want IN. I just wanted us to live again. For years, I thought we've shared this secret that we would be wonderful in the world. I don't know exactly how, but just the possibility kept me hoping. How pathetic is that? So stupid. To put all your hopes in a promise that was never made. Frank knows what he wants, he found his place, he's just fine. Married, two kids, it should be enough. It is for him. And he's right; we were never special for destined for anything at all. "
(...)
"- I saw a whole other future. Can't stop seeing it. Can't leave. Can't stay."






Só hoje é que o vi. Agora percebo porque ficaste abananada, porque eu também fiquei, e ainda agora não consigo respirar como antes. Como desperdiçar a vida crendo numa promessa, em algo que parece que está lá, mas não está; ou que já esteve e partiu, vai dar ao mesmo. Onde é que se arrumam os sonhos, e os filmes que fazemos, onde é que se encaixam as memórias, os sentimentos que temos? (Deviam ter-se mudado para Paris)

realizações recentes

Há uns tempos para cá que me têm chegado mensagens de varias fontes, de contextos e conteúdos completamente diferentes, que se focam no mesmo assunto: a Vida, o Amor, essa criatura divina que é Deus. Que Deus é Amor, e Vida; que Vida é Amor; que Deus dá Vida; que Amar é Viver. Tudo assim muito interligado.

A primeira pista veio do filme "Oh My God", um documentário que pergunta às pessoas de todo o mundo uma simples questão, de não tão simples resposta: what is God?



Outra do filme "Into the Wild".

Ron Franz: Yeah. I am going to take stock of that. You know I am. I want to tell you something. From bits and pieces of what you have told me about your family, your mother and your dad... And I know you have problems with the church too... But there is some kind of bigger thing that we can all appreciate and it sounds to me you don't mind calling it God. But when you forgive, you love. And when you love, God's light shines through you.
Christopher McCandless: Holy shit!


Não acredito em Deus. Na Vida sim, no Amor também, na sua forma generalizada, desde a compaixão budista ao "Amai-vos uns aos outros" do Cristo. Acredito na Amizade, nas ligações humanas, na conexão com a natureza (onde se incluem outros humanos), no respeito pelo que nos rodeia. Acredito na partilha, no dar e receber.


Afinal, "Happiness only real when shared.", escreve Chris McCandless no seu diário, depois de um grande périplo pela América, e já no Alaska às portas da morte. Uma grande lição às vezes só se revela nos momentos cruciais, muitas vezes tarde de mais. A lição do Chris McCandless não lhe serviu de muito, mas foi um legado. é por isso também que acredito na historia, na importância de aprender com o passado, de deixar que ele nos talhe a existência.

Da limpeza das casas de franceses

Após mais de um mês de ausência, volto a postar cheia de indignação a propósito das casas dos franceses. Mas porque é que, tanto eu como a Vanda, assim que chegamos a casa de franceses temos imediatamente que arregaçar as mangas e começar a limpar? Nem eu nem ela somos fanáticas da limpeza (eu longe disso), e no entanto passamos horas nisto, nesta actividade que se torna prioritária, e muitas vezes motivo de revolta: "Mas como é que eles conseguem viver assim? Nesta pocilga?"

é verdade, e hoje não foi excepção. Fui às compras, e antes de por as compras no frigorífico tive que o limpar; a WC não deve ver um esfregão desde que a Espanha foi pela ultima vez à final do mundial; as paredes, god, as paredes... *longo suspiro*

O chão, para contrastar, está limpinho. Ela diz que faz lá yoga. Yoga num espaço sujo mas em terreno limpo. Lógicas francesas...

é real e está já aqui ao lado

Costa da Caparica

Viagem à pobreza que explodiu como uma tempestade

Há crianças que à segunda-feira chegam à creche com a mesma fralda que tinham na sexta. O número de famílias que pede ajuda à Igreja, classe média incluída, duplicou. Pede-se comida até no Facebook. As praias e o Verão não escondem a indignação do padre. Por Ana Henriques

Ler o artigo completo AQUI

Maria e o gato

A Maria quer ir para Bruges estudar no College of Europe e levar o gato. E está a vender o recheio da casa. Começou com os seus livros. Quem quiser ajudar, divulgar, perceber melhor do que se trata, visite o blog que explica tudo:

http://takeustobruges.blogspot.com/

INCRIVEL... Garzón suspenso da Audiência Nacional - Mundo - PUBLICO.PT

Garzón suspenso da Audiência Nacional - Mundo - PUBLICO.PT

III - Hoje, dia de visita do Papa a Portugal...

Caguei no papa e deu-me a nostalgia de Paris...



(esta letra tem varias das minhas expressões preferidas em francês)



Hier encore
J'avais vingt ans
Je caressais le temps
Et jouais de la vie
Comme on joue de l'amour
Et je vivais la nuit
Sans compter sur mes jours
Qui fuyaient dans le temps

J'ai fait tant de projets
Qui sont restés en l'air
J'ai fondé tant d'espoirs
Qui se sont envolés
Que je reste perdu
Ne sachant où aller
Les yeux cherchant le ciel
Mais le cœur mis en terre

Hier encore
J'avais vingt ans
Je gaspillais le temps
En croyant l'arrêter
Et pour le retenir
Même le devancer
Je n'ai fait que courir
Et me suis essoufflé

Ignorant le passé
Conjuguant au futur
Je précédais de moi
Toute conversation
Et donnais mon avis
Que je voulais le bon
Pour critiquer le monde
Avec désinvolture

Hier encore
J'avais vingt ans
Mais j'ai perdu mon temps
A faire des folies
Qui ne me laissent au fond
Rien de vraiment précis
Que quelques rides au front
Et la peur de l'ennui

Car mes amours sont mortes
Avant que d'exister

Mes amis sont partis
Et ne reviendront pas
Par ma faute j'ai fait
Le vide autour de moi
Et j'ai gâché ma vie
Et mes jeunes années

Du meilleur et du pire
En jetant le meilleur
J'ai figé mes sourires
Et j'ai glacé mes pleurs
Où sont-ils à présent
A présent mes vingt ans?

Eyjafjallajokull porta-te bem que eu tenho onde estar às 11 horas!

via Miúda do Deserto

II - Hoje, dia de visita do Papa a Portugal...

...recolhi 5 preservativos nas ruas de Lisboa! Obrigada Abraço!

I - Hoje, dia de visita do Papa a Portugal...

...estive a ver o 24 e o Jack Bauer torturou um suspeito (que sabíamos culpado) como nunca antes havia torturado!


Aqui no Nomadismes já começámos a preparação para o Mundial



Muntari's Annie Leibovitz Shoot for Vanity Fair from Football Fables by Baff A on Vimeo.


recebido por mail
via Chouriça

lamechas mood

Dia da Liberdade



imagem roubada
daqui.



Hoje subi e desci a Avenida da Liberdade, estagnei no Rossio, encontrei toda a gente ao pé da Ginginha e enfiei-me numa tasca lisboeta a beber uma mini. Viva a Liberdade!

Paris com menos uma muffin

Hoje fui às compras ainda com a lista que cá tinhas deixado. Comprei legumes, salmão e fruta bio, papel higiénico, detergente para a loiça todos amigos do ambiente. Ainda olhei para as prateleiras a ver se havia o bolo de kiwi que tu gostas e depois lembrei-me de que já não se vende e de que já não estas cá. Esqueço-me montes de vezes que não estas cá. Era para te mandar uma mensagem de Nancy a dizer que a senhoria ia passar para arranjar o autoclismo. Esta semana vou preparar a Pascoa com os nossos amigos tugas. Este ano é em casa do G. Como não estas cá, vamos fazer só cabrito. Ou hoje ou amanhã vou ao Escurial ver o filme do Tom Ford. Tenho ido preparar as aulas para o Léah e estudar para o Pompidou. Também sinto falta da comadre, tenho de lhe enviar o chá esquisito que ela gosta e que eu não bebo nem que me paguem. Por falar nisso, já recebi o meu primeiro ordenado, vamos ter de comemorar no indiano de Lx, quando eu ai for. Na verdade, vou daqui a muito pouco tempo, podia dispensar este relatório lamechas, mas Paris é mesmo assim, oferece sempre nostalgia a quem parte e solidão a quem fica.
Então até já, e come bom peixinho por esses lados.

Paz e amor

«Je lui ai dit de me regarder et après quelques instants – [..] elle l’a fait, mais les yeux comme des fentes à cause du soleil. Je me suis penché sur elle pour qu’ils soient dans l’ombre et ils se sont ouverts. (Pause) M’ont laissé entrer. […] Je me suis coulé sur elle, mon visage dans ses seins et ma main sur elle. Nous restions là, couchés, sans remuer. Mais, sous nous, tout remuait, et nous remuait, doucement, de haut en bas, et d’un côté à l’autre» Samuel Beckett, La dernière bande

MayDay!


1 de Maio, 13h, Largo de Camões (Lisboa)

[mas até lá:]
Como reflectir? Como pensar a precariedade? Como agir? Como preparar o MayDay?

Respostas a seguir neste endereço: http://maydaylisboa2010.blogspot.com/

Identidade


"Nascido em São Bernardo (SP) e criado em Indaiatuba (SP), Deco construiu sua história como jogador em Portugal e naturalizou-se luso. No dia 25 de junho, corre o risco de viver, na Copa do Mundo, uma situação insólita: defender a seleção portuguesa contra a brasileira, em jogo que pode valer eliminação de uma das equipes.

Em sua estréia com a camisa de Portugal, em 29 de março de 2003, Deco enfrentou justamente o Brasil. E marcou o gol da vitória por 2 a 1.

- Foi a sensação mais estranha que já tive na minha carreira - lembrou o jogador, entrevistado por Galvão Bueno para o "Esporte Espetacular".

(...)

- Sou brasileiro. E não consigo ver a minha vida sem Portugal. Amo Portugal por tudo aquilo que me deram. Mas não sou português - equilibrou o jogador do Chelsea.

(...)

Ele aponta o Porto como clube mais importante em sua trajetória. Em cinco anos, ganhou uma Liga dos Campeões, uma Taça da Uefa e uma Taça de Portugal. (...)"

excerto de um artigo do Globo-Esporte.



Sempre me intriguei com estas questões de identidade. Como é que uma pessoa muda de nacionalidade (no caso do Deco), não escolhendo uma ou outra, mas ficando com as duas. Como camadas que se acumulam numa só pessoa, dando-lhe riqueza e profundidade. Ou escolhendo uma, e não outra, e ganhando uma outra consistência e coerência. A identidade é uma riqueza, um valor, uma qualidade do ser humano. A identidade é também um direito, daqueles que se alteram quando a pessoa quiser e disso sentir necessidade. E cada um deve decidir da sua.


Momento "Eu também quero ter um blog de gajas!"

OSCARES 2010

Gosto!




Não gosto!

Ajudar o Chile


Un Techo para Chile é uma associação que se dedica à construção de casas para a população chilena que mais necessita. Depois do terramoto e das réplicas que dilaceraram o Chile, construir casas é ainda mais importante para dar um tecto aos tantos novos desalojados.

Para ajudar é simples:

Basta fazer uma transferência internacional! Aqui vão os dados:

DONACIONES
Formas de Colaborar (Collaborate, English Version)


Desde el Extranjero: Para Donaciones en Dólares
FUNDACION UN TECHO PARA CHILE
Cuenta 0-051-000-8500-5

Banco Santander Chile
RUT: 65.533.130-1
SWIFT: BSCHCLRM
Dirección: Bandera 140
Santiago, Chile
Para transferencias desde Estados Unidos:

Información Banco Intermediario
WACHOVIA BANK N.A. (N. YORK)
SWIFT: PNBPUS3NNYC
ABA: 026005092

Para transferencias desde Europa:


Banco Intermediario
Banco Santander Central Hispano S.A. (MADRID)
SWIFT: BSCHESMM
IBAN: ES 4200 495494852910148818


Obrigada à Andrea e ao Gonçalo por me terem dado a conhecer esta associação.

KIVA


Kiva - loans that change lives



KIVA é associação que empresta dinheiro a pequenos projectos solidários, através de instituições e parcerias que submetem e gerem os empréstimos. O objectivo é ajudar uma família ou um pequeno grupo a obter os meios para subsistir. Em vez de dar peixe, ensinar a pescar.

Podemos emprestar quantias a partir de $25 (dólares), aos projectos que quisermos. Podemos escolher entre cada projecto no site da Kiva, por área geográfica ou por actividade. Depois de o empréstimo estar completo, podemos seguir a evolução do grupo e respectivo projecto também através do site.

Parece-me uma iniciativa séria no campo das micro-finanças e do micro-empréstimo. Em vez de despejar dinheiro em Fundações ou Associações em que só 10% das quantias chegam de facto às pessoas que precisam (o resto perde-se pelo caminho em vários bolsos corruptos), esta é uma forma digna de ajudar, em que são as proprias pessoas a determinar o que é que precisam e a fazer o seu próprio projecto de vida.

Ele anda aí

Tenho uma amiga que encontrou o amor. E mais do que encontrá-lo, partilhou-o com os leitores do blog. Fiquei impressionada, tocada e de lágrima ao canto do olho com a partilha. Felicíssima por ela, quase aos saltinhos de alegria. Ao inicio incrédula, tive de ler o post até ao fim, e depois mais uma vez ainda, para me convencer que era mesmo ele, o Amor, que se tinha deixado agarrar pela minha amiga, e que por sua vez a tinha agarrado a ele. Gosto de ver a minha amiga feliz. Eu, que continuo desconfiada dessa coisa tão aleatória como o Amor, que aparece como ela diz "quando menos se espera", que para aparecer parece que Saturno e Nepturno (ou outra combinação qualquer de astros) têm de estar alinhados, na altura certa, no momento certo, etc, etc. O Amor, essa coisa complicada e refinada, que transforma pessoas normais em 'escolhidos', transformou a minha amiga. E eu estou mesmo contente por ela.

telemóveis há muitos

Nós por cá também não recebemos nenhum Samsung Diva. Mas não se preocupem, que não nos vamos pôr com exageros destes, ou queixumes destes ou choraminguices assim...


E já agora, os blogs de gajas portugueses que seguimos estão a ficar chatos. Deve ser deste tempo de merda. Porra, que nunca mais chega a Primavera!!!

"Um suicídio no trabalho é uma mensagem brutal" - Sociedade - PUBLICO.PT

[vale a pena ler até ao fim!]

"Um suicídio no trabalho é uma mensagem brutal" - Sociedade - PUBLICO.PT
Nos últimos anos, três ferramentas de gestão estiveram na base de uma transformação radical da maneira como trabalhamos: a avaliação individual do desempenho, a exigência de “qualidade total” e o outsourcing. O fenómeno gerou doenças mentais ligadas ao trabalho. Christophe Dejours, especialista na matéria, desmonta a espiral de solidão e de desespero que pode levar ao suicídio.
Christophe Dejours
Christophe Dejours (foto de Enric Vives-Rubio)

Psiquiatra, psicanalista e professor no Conservatoire National des Arts et Métiers, em Paris, Christophe Dejours dirige ali o Laboratório de Psicologia do Trabalho e da Acção – uma das raras equipas no mundo que estuda a relação entre trabalho e doença mental. Esteve há dias em Lisboa, onde, de gravata amarela, cabeleira “à Beethoven” e olhos risonhos a espreitar por detrás de pequenos óculos de massa redondos, falou do sofrimento no trabalho. Não apenas do sofrimento enquanto gerador de patologias mentais ou de esgotamentos, mas sobretudo enquanto base para a realização pessoal. Não há “trabalho vivo” sem sofrimento, sem afecto, sem envolvimento pessoal, explicou. É o sofrimento que mobiliza a inteligência e guia a intuição no trabalho, que permite chegar à solução que se procura.

Claro que no outro extremo da escala, nas condições de injustiça ou de assédio que hoje em dia se vivem por vezes nas empresas, há um tipo de sofrimento no trabalho que conduz ao isolamento, ao desespero, à depressão. No seu último livro, publicado há uns meses em França e intitulado Suicide et Travail: Que Faire? , Dejours aborda especificamente a questão do suicídio no trabalho, que se tornou muito mediática com a vaga de suicídios que se verificou recentemente na France Télécom.

Depois da conferência, o médico e cientista falou com o P2 sobre as causas laborais desses gestos extremos, trágicos e irreversíveis. Mais geralmente, explicou-nos como a destruição pelos gestores dos elos sociais no trabalho nos fragiliza a todos perante a doença mental.

O suicídio ligado ao trabalho é um fenómeno novo?
O que é muito novo é a emergência de suicídios e de tentativas de suicídio no próprio local de trabalho. Apareceu em França há apenas 12, 13 anos. E não só em França – as primeiras investigações foram feitas na Bélgica, nas linhas de montagem de automóveis alemães. É um fenómeno que atinge todos os países ocidentais. O facto de as pessoas irem suicidar-se no local de trabalho tem obviamente um significado. É uma mensagem extremamente brutal, a pior do que se possa imaginar – mas não é uma chantagem, porque essas pessoas não ganham nada com o seu suicídio. É dirigida à comunidade de trabalho, aos colegas, ao chefe, aos subalternos, à empresa. Toda a questão reside em descodificar essa mensagem.

Afecta certas categorias de trabalhadores mais do que outras?
Na minha experiência, há suicídios em todas as categorias – nas linhas de montagem, entre os quadros superiores das telecomunicações, entre os bancários, nos trabalhadores dos serviços, nas actividades industriais, na agricultura.

No passado, não havia suicídios ligados ao trabalho na indústria. Eram os agricultores que se suicidavam por causa do trabalho – os assalariados agrícolas e os pequenos proprietários cuja actividade tinha sido destruída pela concorrência das grandes explorações. Ainda há suicídios no mundo agrícola.

O que é que mudou nas empresas?
A organização do trabalho. Para nós, clínicos, o que mudou foram principalmente três coisas: a introdução de novos métodos de avaliação do trabalho, em particular a avaliação individual do desempenho; a introdução de técnicas ligadas à chamada “qualidade total”; e o outsourcing, que tornou o trabalho mais precário.

A avaliação individual é uma técnica extremamente poderosa que modificou totalmente o mundo do trabalho, porque pôs em concorrência os serviços, as empresas, as sucursais – e também os indivíduos. E se estiver associada quer a prémios ou promoções, quer a ameaças em relação à manutenção do emprego, isso gera o medo. E como as pessoas estão agora a competir entre elas, o êxito dos colegas constitui uma ameaça, altera profundamente as relações no trabalho: “O que quero é que os outros não consigam fazer bem o seu trabalho.”

Muito rapidamente, as pessoas aprendem a sonegar informação, a fazer circular boatos e, aos poucos, todos os elos que existiam até aí – a atenção aos outros, a consideração, a ajuda mútua – acabam por ser destruídos. As pessoas já não se falam, já não olham umas para as outras. E quando uma delas é vítima de uma injustiça, quando é escolhida como alvo de um assédio, ninguém se mexe…

Mas o assédio no trabalho é novo?
Não, mas a diferença é que, antes, as pessoas não adoeciam. O que mudou não foi o assédio, o que mudou é que as solidariedades desapareceram. Quando alguém era assediado, beneficiava do olhar dos outros, da ajuda dos outros, ou simplesmente do testemunho dos outros. Agora estão sós perante o assediador – é isso que é particularmente difícil de suportar. O mais difícil em tudo isto não é o facto de ser assediado, mas o facto de viver uma traição – a traição dos outros. Descobrimos de repente que as pessoas com quem trabalhamos há anos são cobardes, que se recusam a testemunhar, que nos evitam, que não querem falar connosco. Aí é que se torna difícil sair do poço, sobretudo para os que gostam do seu trabalho, para os mais envolvidos profissionalmente. Muitas vezes, a empresa pediu-lhes sacrifícios importantes, em termos de sobrecarga de trabalho, de ritmo de trabalho, de objectivos a atingir. E até lhes pode ter pedido (o que é algo de relativamente novo) para fazerem coisas que vão contra a sua ética de trabalho, que moralmente desaprovam.

Qual é o perfil das pessoas que são alvo de assédio?
São justamente pessoas que acreditam no seu trabalho, que estão envolvidas e que, quando começam a ser censuradas de forma injusta, são muito vulneráveis. Por outro lado, são frequentemente pessoas muito honestas e algo ingénuas. Portanto, quando lhes pedem coisas que vão contra as regras da profissão, contra a lei e os regulamentos, contra o código do trabalho, recusam-se a fazê-las. Por exemplo, recusam-se a assinar um balanço contabilista manipulado. E em vez de ficarem caladas, dizem-no bem alto. Os colegas não dizem nada, já perceberam há muito tempo como as coisas funcionam na empresa, já há muito que desviaram o olhar. Toda a gente é cúmplice. Mas o tipo empenhado, honesto e algo ingénuo continua a falar. Não devia ter insistido. E como falou à frente de todos, torna-se um alvo. O chefe vai mostrar a todos quão impensável é dizer abertamente coisas que não devem aparecer nos relatórios de actividade.

Um único caso de assédio tem um efeito extremamente potente sobre toda a comunidade de uma empresa. Uma mulher está a ser assediada e vai ser destruída, uma situação de uma total injustiça; ninguém se mexe, mas todos ficam ainda com mais medo do que antes. O medo instala-se. Com um único assédio, consegue-se dominar o colectivo de trabalho todo. Por isso, é importante, ao contrário do que se diz, que o assédio seja bem visível para todos. Há técnicas que são ensinadas, que fazem parte da formação em matéria de assédio, com psicólogos a fazer essa formação.

Uma formação para o assédio?
Exactamente. Há estágios para aprenderem essas técnicas. Posso contar, por exemplo, o caso de um estágio de formação em França em que, no início, cada um dos 15 participantes, todos eles quadros superiores, recebeu um gatinho. O estágio durou uma semana e, durante essa semana, cada participante tinha de tomar conta do seu gatinho. Como é óbvio, as pessoas afeiçoaram-se ao seu gato, cada um falava do seu gato durante as reuniões, etc.. E, no fim do estágio, o director do estágio deu a todos a ordem de… matar o seu gato.

Está a descrever um cenário totalmente nazi...
Só que aqui ninguém estava a apontar uma espingarda à cabeça de ninguém para o obrigar a matar o gato. Seja como for, um dos participantes, uma mulher, adoeceu. Teve uma descompensação aguda e eu tive de tratá-la – foi assim que soube do caso. Mas os outros 14 mataram os seus gatos. O estágio era para aprender a ser impiedoso, uma aprendizagem do assédio.

Penso que há bastantes empresas que recorrem a este tipo de formação – muitas empresas cujos quadros, responsáveis de recursos humanos, etc., são ensinados a comportar-se dessa maneira.

Voltando ao perfil do assediado, é perigoso acreditar realmente no seu trabalho?
É. O que vemos é que, hoje em dia, envolver-se demasiado no seu trabalho representa um verdadeiro perigo. Mas, ao mesmo tempo, não pode haver inteligência no trabalho sem envolvimento pessoal – sem um envolvimento total.

Isso gera, aliás, um dilema terrível, nomeadamente em relação aos nossos filhos. As pessoas suicidam-se no trabalho, portanto não podemos dizer aos nossos filhos, como os nossos pais nos disseram a nós, que é graças ao trabalho que nos podemos emancipar e realizar-nos pessoalmente. Hoje, vemo-nos obrigados a dizer aos nossos filhos que é preciso trabalhar, mas não muito. É uma mensagem totalmente contraditória.

E os sindicatos?
Penso que os sindicatos foram em parte destruídos pela evolução da organização do trabalho. Não se opuseram à introdução dos novos métodos de avaliação. Mesmo os trabalhadores sindicalizados viram-se presos numa dinâmica em que aceitaram compromissos com a direcção. Em França, a sindicalização diminuiu imenso – as pessoas já não acreditam nos sindicatos porque conhecem as suas práticas desleais.

Como distinguir um suicídio ligado ao trabalho de um suicídio devido a outras causas?
É uma pergunta à qual nem sempre é possível responder. Hoje em dia, não somos capazes de esclarecer todos os suicídios no trabalho. Mas há casos em que é indiscutível que o que está em causa é o trabalho. Quando as pessoas se matam no local de trabalho, não há dúvida de que o trabalho está em causa. Quando o suicídio acontece fora do local de trabalho e a pessoa deixa cartas, um diário, onde explica por que se suicida, também não há dúvidas – são documentos aterradores. Mas quando as pessoas se suicidam fora do local do trabalho e não deixam uma nota, é muito complicado fazer a distinção. Porém, às vezes é possível. Um caso recente – e uma das minhas vitórias pessoais – foi julgado antes do Natal, em Paris. Foi um processo bastante longo contra a Renault por causa do suicídio de vários engenheiros e cientistas altamente qualificados que trabalhavam na concepção dos veículos, num centro de pesquisas da empresa em Guyancourt, perto de Paris.

Quando é que isso aconteceu?
Em 2006-2007. Houve cinco suicídios consecutivos; quatro atiraram-se do topo de umas escadas interiores, do quinto andar, à frente dos colegas, num local com muita passagem à hora do almoço. Mas um deles – aliás de origem portuguesa – não se suicidou no local do trabalho. Era muitíssimo utilizado pela Renault nas discussões e negociações sobre novos modelos e produção de peças no Brasil. Foi utilizado, explorado de forma aterradora. Pediam-lhe constantemente para ir ao Brasil e o homem estava exausto por causa da diferença horária. Era uma pessoa totalmente dedicada, tinha mesmo feito coisas sem ninguém lhe pedir, como traduzir documentos técnicos para português, para tentar ganhar o mercado brasileiro para a empresa. A dada altura, teve uma depressão bastante grave e acabou por se suicidar.

A viúva processou a Renault, que em Dezembro acabou por ser condenada por “falta imperdoável do empregador” [conceito do direito da segurança social em França], por não ter tomado as devidas precauções.

Foi um acontecimento importante porque, pela primeira vez, uma grande multinacional foi condenada em virtude das suas práticas inadmissíveis. Os advogados do trabalho apoiaram-se muito nos resultados científicos do meu laboratório. O acórdão do tribunal tinha 25 páginas e as provas foram consideradas esmagadoras. Havia e-mails onde o engenheiro dizia que já não aguentava mais – e que a empresa fez desaparecer limpando o disco rígido do seu computador. Mas ele tinha cópias dos documentos no seu computador de casa. A argumentação foi imparável.

Mesmo assim, as empresas continuam a dizer que os suicídios dos seus funcionários têm a ver com a vida privada e não com o trabalho.
Toda a gente tem problemas pessoais. Portanto, quando alguém diz que uma pessoa se suicidou por razões pessoais, não está totalmente errado. Se procurarmos bem, vamos acabar por encontrar, na maioria dos casos, sinais precursores, sinais de fragilidade. Há quem já tenha estado doente, há quem tenha tido episódios depressivos no passado. É preciso fazer uma investigação muito aprofundada.

Mas se a empresa pretender provar que a crise depressiva de uma pessoa se deve a problemas pessoais, vai ter de explicar por que é que, durante 10, 15, 20 anos, essa pessoa, apesar das suas fragilidades, funcionou bem no trabalho e não adoeceu.

Mas como é que o trabalho pode conduzir ao suicídio? Só acontece a pessoas com determinada vulnerabilidade?
Só muito recentemente é que percebi que uma pessoa podia ser levada ao suicídio sem que tivesse até ali apresentado qualquer sinal de vulnerabilidade psicopatológica. Fiquei extremamente surpreendido com um caso em especial, do qual não posso falar muito aqui, porque ainda não foi julgado, de uma mulher que se suicidou na sequência de um assédio no trabalho.

A Polícia Judiciária [francesa] tinha interrogado os seus colegas de trabalho e, como a ordem vinha de um juiz, as pessoas falaram. Foram 40 depoimentos que descreviam a maneira como essa mulher tinha sido tratada pelo patrão (apenas uma contradiz as restantes 39). E o que emerge é que, devido ao assédio, ela caiu num estado psicopatológico muito parecido com um acesso de melancolia.

Ora, o que mais me espantou, quando procurei sinais precursores, é que não encontrei absolutamente nada. E, pela primeira vez, comecei a pensar que, em certas situações, quando uma pessoa que não é melancólica é escolhida como alvo de assédio, é possível fabricar, desencadear, uma verdadeira depressão em tudo igual à melancolia. Quando essa pessoa se vai abaixo, tem uma depressão, autodesvaloriza-se, torna-se pessimista, pensa que não vale nada, que merece realmente morrer.

Era uma mulher hiperbrilhante, muitíssimo apreciada, muito envolvida, imaginativa, produtiva. Tinha duas crianças óptimas e um marido excepcional. Falei com os seus amigos, o marido, a mãe. Não encontrei nenhum sinal precursor, nem sequer na sua infância.

Aconteceu sem pré-aviso?
Houve um período crítico que terá durado um mês. As pessoas à sua volta deram por isso. Viram que ela estava muito mal, o médico do trabalho foi avisado e obrigou-a a parar de trabalhar e pediu a alguém que a levasse para casa. Mas ela não queria parar, insistia que queria fazer o que tinha a fazer. A família também percebeu que algo estava a acontecer, ela consultou um psiquiatra, mas é impossível travar este tipo de descompensação. Foi para casa da mãe, mas quando pensaram que estava a melhorar um pouco, relaxaram a vigilância e ela atirou-se pela janela.

Nos testemunhos recolhidos pela polícia, vê-se claramente que ninguém se atreveu a ajudá-la; todos dizem que tinham medo. Tinham medo do patrão, que era um tirano. Também assediava sexualmente as mulheres e esta mulher era muito bonita. Não consegui saber se tinha havido assédio sexual, mas várias pessoas evocam no seu depoimento que ela terá caído em desgraça porque se tinha recusado a fazer o que ele queria.

O caso da France Télécom foi muito mediático, com 25 suicídios. O suicídio é mais frequente nas grandes empresas?
Não. Nas grandes empresas pode ser mais visível, mas há também muitas pequenas empresas onde as coisas correm muito mal, onde os critérios são incrivelmente arbitrários e onde o assédio pode ser pior. Nas grandes empresas, subsiste por vezes uma presença sindical que faz com que os casos venham a público. Foi assim na France Télécom. Mas não acredito que a destruição actual do mundo do trabalho esteja a acontecer apenas nalgumas grandes multinacionais. E é importante salientar que também há multinacionais onde as coisas correm bem.

Quantas pessoas se suicidam por ano, em França e noutros países?
Não há estatísticas do suicídio no trabalho. Em França, foi constituída uma comissão ministerial onde pela primeira vez foi dito claramente que é urgente aplicar ferramentas que permitam analisar a relação entre suicídio e trabalho. Mas, por enquanto, isso não existe. Nem na Bélgica, nem no Canadá, nem nos Estados Unidos, não existe em sítio nenhum.

Na Suécia, por exemplo, há provavelmente tantos suicídios no trabalho como em França. Mas não há debate. Em muitos países não há debate, porque não existe esse espaço clínico, essa nova medicina do trabalho que estamos a desenvolver em França. De facto, a França é dos sítios onde mais se fala do assunto. O debate francês interessa muita gente, mas também mete muito medo.

Em França, foi feito um único inquérito, há quatro anos, pela Inspecção Médica do Trabalho, em três departamentos [divisões administrativas], passando pelos médicos do trabalho, e chegaram a um total de 50 suicídios em cinco anos. É provavelmente um valor subestimado, mas, extrapolando-o a todos os departamentos, dá entre 300 e 400 suicídios no trabalho por ano.

Falou de “qualidade total”. O que é exactamente?
É uma segunda medida que foi introduzida na sequência da avaliação individual. Acontece que, quando se faz a avaliação individual do desempenho, está-se a querer avaliar algo, o trabalho, que não é possível avaliar de forma quantitativa, objectiva, através de medições. Portanto, o que está a ser medido na avaliação não é o trabalho. No melhor dos casos, está-se a medir o resultado do trabalho. Mas isso não é a mesma coisa. Não existe uma relação de proporcionalidade entre o trabalho e o resultado do trabalho.

É como se em vez de olhar para o conteúdo dos artigos de um jornalista, apenas se contasse o número de artigos que esse jornalista escreveu. Há quem escreva artigos todos os dias, mas enfim... é para contar que houve um acidente de viação ou outra coisa qualquer. Uma única entrevista, como esta por exemplo, demora muito mais tempo a escrever e, para fazer as coisas seriamente, vai implicar que o jornalista escreva entretanto menos artigos. Hoje em dia, julga-se os cientistas pelo número de artigos que publicam. Mas isso não reflecte o trabalho do cientista, que talvez esteja a fazer um trabalho difícil e não tenha publicado durante vários anos porque não conseguiu obter resultados.

Passados uns tempos, surgem queixas a dizer que a qualidade [da produção ou do serviço] está a degradar-se. Então, para além das avaliações, os gestores começam a controlar a qualidade e declaram como objectivo a “qualidade total”. Não conhecem os ofícios, mas vão definir pontos de controlo da qualidade. É verdadeiramente alucinante.

Para além de que declarar a qualidade total é catastrófico, justamente porque a qualidade total é um ideal. É importante ter o ideal da qualidade total, ter o ideal do “zero-defeitos”, do “zero-acidentes”, mas apenas como ideal.

Em diabetologia, por exemplo, os gestores introduziram a obrigação de os médicos fazerem, para cada um dos seus doentes, ao longo de três meses, a média dos níveis de hemoglobina glicosilada A1c [ri-se], que é um indicador da concentração de açúcar no sangue. A seguir, comparam entre si os grupos de doentes de cada médico – é assim que controlam a qualidade dos cuidados médicos. [ri-se].

Só que, na realidade, quando tratamos um doente, às vezes o tratamento não funciona e temos de perceber porquê. E finalmente, o doente acaba por nos confessar que não consegue respeitar o regime alimentar que lhe prescrevemos, porque inclui legumes e não féculas e que os legumes são mais caros... Tem três filhos e não tem dinheiro para legumes. E então, vamos ter de encontrar um compromisso.

Da mesma forma, se um doente diabético é engenheiro e tem de viajar frequentemente para outros fusos horários, torna-se muito difícil controlar a sua glicemia com insulina. Mais uma vez, vai ser preciso encontrar um meio-termo. E isso é difícil.

Mesmo uma central nuclear nunca funciona como previsto. Nunca. Por isso é que precisamos de “trabalho vivo”. A qualidade total é um contra-senso porque a realidade se encarrega de fazer com que as coisas não funcionem de forma ideal. Mas o gestor não quer ouvir falar disso.

Ora, quando o ideal se transforma na condição para obter uma certificação, o que acontece é que se está a obrigar toda a gente a dissimular o que realmente se passa no trabalho. Deixa de ser possível falar do que não funciona, das dificuldades encontradas. Quando há um incidente numa central nuclear, o melhor é não dizer nada.

Isso é extremamente grave.
É. E em medicina passa-se a mesma coisa. Faz-se batota. Hoje, existem nos hospitais as chamadas “conferências de consenso” – acho que existem em toda a Europa – onde são feitas recomendações precisas para o tratamento de tal ou tal doença. E quando um médico recebe um doente, tem de teclar no computador para ver o que foi estabelecido pela conferência de consenso. O médico, que tem o doente à sua frente, pensa que essa não é a boa abordagem – porque sabe que o doente tem problemas com a mulher, com os filhos e não vai conseguir fazer o tratamento recomendado. Mas sabe também que se não fizer o que está lá escrito, e se por acaso as coisas derem para o torto, poderá haver um inquérito, a pedido da família ou de um gestor, e vão dizer que foi o médico que não fez o que devia. O problema da qualidade total é que obriga muitos de nós a viver essa experiência atroz que consiste em fazer o nosso trabalho de uma forma que nos envergonha.

Há muitos suicídios entre os médicos?
Cada vez mais. Há especialidades com mais suicídios do que outras – nomeadamente entre os médicos reanimadores. Em França é uma verdadeira hecatombe: é sabido que a profissão de anestesista-reanimador é das que têm maior taxa de suicídios. Nesta especialidade, os riscos de ser-se atacado em tribunal porque alguém morreu são tão elevados que os médicos se protegem seguindo as instruções. Mesmo que tenham a íntima convicção de que não era isso que deveriam fazer. Chegámos a esse ponto.

É uma situação insuportável e há médicos que não aguentam ver um doente morrer porque tiveram medo de que isso se virasse contra eles. “Fiz o que estava escrito e o doente morreu. Matei o doente.” Há cada vez mais reanimadores que se confrontam com esta situação. Ainda por cima os cirurgiões atiram sempre as dificuldades que encontram nas operações para cima do reanimador. Sempre. Cada vez que acontece qualquer coisa, é porque o anestesista não adormeceu bem o doente, ou não o acordou correctamente, ou não soube restabelecer a pressão arterial. O cirurgião nunca admitirá que falhou nas suturas e que por isso o doente se esvaiu em sangue.

Os médicos sempre foram considerados uma classe muito solidária…
Foram. Já não são. Eu trabalhei anos nos hospitais, e adorava trabalhar lá, porque existia um espírito de equipa fantástico. Éramos felizes no nosso trabalho. Hoje, as pessoas não querem trabalhar nos hospitais, não querem fazer bancos, tentam safar-se. São todos contra todos. Bastaram uns anos para destruir a solidariedade no hospital. O que aconteceu é aterrador.

O que é importante perceber é que a destruição dos elos sociais no trabalho pelos gestores nos fragiliza a todos perante a doença mental. E é por isso que as pessoas se suicidam. Não quer dizer que o sofrimento seja maior do que no passado; são as nossas defesas que deixaram de funcionar.

Portanto, as ferramentas de gestão são na realidade ferramentas de repressão, de dominação pelo medo.
Sim, o termo exacto é dominação; são técnicas de dominação.

Então, é preciso acabar com essas práticas?
Eu não diria que é preciso acabar com tudo. Acho que não devemos renunciar à avaliação, incluindo a individual. Mas é preciso renunciar a certas técnicas. Em particular, tudo o que é quantitativo e objectivo é falso e é preciso acabar com isso. Mas há avaliações que não são quantitativas e objectivas – a avaliação dos pares, da colectividade, a avaliação da beleza, da elegância de um trabalho, do facto de ser conforme às regras profissionais. Trata-se de avaliações assentes na qualidade e no desempenho do ofício. Mesmo a entrevista de avaliação pode ser interessante e as pessoas não são contra.

Mas sobretudo, a avaliação não deve ser apenas individual. É extremamente importante começar a concentrar os esforços na avaliação do trabalho colectivo e nomeadamente da cooperação, do contributo de cada um. Mas como não sabemos analisar a cooperação, analisa-se somente o desempenho individual.

O resultado é desastroso. Não é verdade que a qualidade da produção melhorou. A General Motors foi obrigada a alertar o mundo da má qualidade dos seus pneus; a Toyota teve de trocar um milhão de veículos por veículos novos ou reembolsar os clientes porque descobriu um defeito de fabrico. É essa a qualidade total japonesa?

Hoje, nos hospitais em França, a qualidade do trabalho não aumentou – diminui. O desempenho supostamente melhorou, mas isso não é verdade, porque não se toma em conta o que está a acontecer do lado do trabalho colectivo.

Temos de aprender a pensar o trabalho colectivo, de desenvolver métodos para o analisar, avaliar – para o cultivar. A riqueza do trabalho está aí, no trabalho colectivo como cooperação, como maneira de viver juntos. Se conseguirmos salvar isso no trabalho, ficamos com o melhor, aprendemos a respeitar os outros, a evitar a violência, aprendemos a falar, a defender o nosso ponto de vista e a ouvir o dos outros.

Não haverá por detrás desta nova organização do trabalho objectivos de controlo das pessoas, de redução da liberdade individual, que extravasam o âmbito empresarial?
É uma questão difícil. Acho que qualquer método de organização do trabalho é ao mesmo tempo um método de dominação. Não é possível dissociar as duas coisas. Há 40 anos que os sociólogos trabalham nisto. Todos os métodos de organização do trabalho visam uma divisão das tarefas, por razões técnicas, de racionalidade, de gestão. Mas não há nenhuma divisão técnica do trabalho que não venha acompanhada de um sistema de controlo, em virtude do qual as pessoas vão cumprir as ordens.

Há tecnologias da dominação. O sistema de Taylor, ou taylorismo, é essencialmente um método de dominação e não um método de trabalho. O método de Ford é um método de trabalho.

Contudo, não penso que a intenção do patronato (francês, em particular), nem dos homens de Estado seja instaurar o totalitarismo. Mas é indubitável que introduzem métodos de dominação, através da organização do trabalho que, de facto, destroem o mundo social.

Qual é a diferença entre taylorismo e fordismo?
Taylor inventou a divisão das tarefas entre as pessoas e a interposição, entre cada tarefa, de uma intervenção da direcção, através de um capataz. Há constantemente alguém a vigiar e a exigir obediência ao trabalhador. A palavra-chave é obediência. “Quando eu disser para parar de trabalhar e ir comer qualquer coisa, você vai obedecer. Se concordar, será pago mais 50 cêntimos pela sua obediência.” A única coisa que importa é a obediência. O objectivo é acabar com o ócio, os tempos mortos.

Só muito mais tarde é que Ford introduziu uma nova técnica, a linha de montagem, que é uma aplicação do taylorismo. Na realidade, não é o progresso tecnológico que determina a transformação das relações sociais, mas a transformação das relações de dominação que abre o caminho a novas tecnologias.

O toyotismo [ou Sistema Toyota de Produção] utiliza um outro método de dominação, o ohnismo [inventado por Taiichi Ohno (1912-1990)], diferente do taylorismo. É um método particular que extrai a inteligência das pessoas de uma forma muito mais subtil que o taylorismo, que apenas estipula que há pessoas que têm de obedecer e outras que mandam.

No ohnismo, trata-se de fazer com que pessoas beneficiem a empresa oferecendo a sua inteligência e os conhecimentos adquiridos através da experiência. Para o fazer, nos anos 1980, introduziu-se algo de totalmente novo: os chamados “círculos de qualidade”.

O sistema japonês foi realmente uma novidade em relação ao taylorismo, porque ensinou as pessoas a colaborar sem as obrigar a obedecer – dando-lhes prémios, pelo contrário. Quando uma sugestão de uma pessoa dá lucro, a empresa faz o cálculo do dinheiro que a empresa ganhou com a ideia e reverte para o trabalhador uma parte desse lucro. Trata-se de prémios substanciais.

Mas há uma batota: os círculos de qualidade podiam durar horas, todos os dias, reunindo as pessoas a seguir ao trabalho para alimentar a caixinha das ideias. Todos se envolviam porque, por um lado, uma ideia que permitisse melhorar a produção valia-lhes chorudos prémios, mas também porque quem participava neles tinha um emprego vitalício garantido na empresa.

O sistema foi exportado para a Europa, os EUA, etc. porque durante uns tempos, a qualidade melhorou de facto. Mas a dada altura, as pessoas no Japão trabalhavam tanto que começou a haver mortes por karōshi [literalmente “morte por excesso de trabalho”].

O que é o karōshi?
É uma morte súbita, geralmente por hemorragia cerebral (AVC), de pessoas novas que não apresentam qualquer factor de risco cardiovascular. Não são obesos, não sofrem de hipertensão, não têm níveis de colesterol elevados, não são diabéticos, não fumam, não são alcoólicos, não tem uma história familiar de AVC. Nada. A único factor que é possível detectar é o excesso de trabalho. Estas pessoas trabalham mais de 70 horas por semana, sem contar as horas passadas nos círculos de qualidade. Ou seja, são pessoas que estão literalmente sempre a trabalhar. Mal param de trabalhar, vão dormir. As descrições de colegas que foram fazer inquéritos no Japão são aterrorizadoras.

O mundo do trabalho no Japão é alucinante. Há raparigas que entram nas fábricas de electrónica, por exemplo, e que são utilizadas entre os 18 e os 21 anos – porque aos 21 anos, já não conseguem aguentar as cadências de trabalho.

As famílias confiam-nas às empresas por esses três anos, durante os quais elas se entregam de corpo e alma ao trabalho. E nalguns casos, a empresa compromete-se a casar a rapariga no fim dos três anos. É mesmo um sistema totalitário. E mais: essas jovens trabalham 12 a 14 horas por dia e depois vão para uns dormitórios onde há uma série de gavetões – cada um com cama e um colchão –, deitam-se na cama e fecha-se o gavetão. Dormem assim, empilhadas em gavetões. Três anos… em gavetões… é preciso ver para crer.

Mas uma coisa destas não é aplicável na Europa
Não, pelo menos em França nunca funcionaria. Ainda não chegámos lá, disso tenho a certeza.

Mas acha que poderia acontecer?
Sim, acho que poderíamos lá chegar. Tudo é possível. Mas ao contrário do que se diz, não há uma fatalidade, não é a mundialização que determina as coisas, não é a guerra económica. É perfeitamente possível, no contexto actual, trabalhar de outra maneira, e há empresas que o fazem, com uma verdadeira preocupação de preservar o “viver juntos”, para tentar encontrar alternativas à abordagem puramente de gestão. O que não impede que a tendência seja para a desestruturação um pouco por todo o lado. É difícil resistir-lhe.

Uma empresa que defendesse os princípios da liberdade, da igualdade e da fraternidade conseguiria sobreviver no actual contexto de mercado?
Hoje, estou em condições de responder pela afirmativa, porque tenho trabalhado com algumas empresas assim. Ao contrário do que se pensa, certas empresas e alguns patrões não participam do cinismo geral e pensam que a empresa não é só uma máquina de produzir e de ganhar dinheiro, mas também que há qualquer coisa de nobre na produção, que não pode ser posta de lado. Um exemplo fácil de perceber são os serviços públicos, cuja ética é permitir que os pobres sejam tão bem servidos como os ricos – que tenham aquecimento, telefone, electricidade. É possível, portanto, trabalhar no sentido da igualdade.

Há também muita gente que acha que produz coisas boas – os aviões, por exemplo, são coisas belas, são um sucesso tecnológico, podem progredir no sentido da protecção do ambiente. O lucro não é a única preocupação destas pessoas.

E, entre os empresários, há pessoas assim – não muitas, mas há. Pessoas muito instruídas que respeitam esse aspecto nobre. E, na sequência das histórias de suicídios, alguns desses empresários vieram ter comigo porque queriam repensar a avaliação do desempenho. Comecei a trabalhar com eles e está a dar resultados positivos.

O que fizeram?
Abandonaram a avaliação individual – aliás, esses patrões estavam totalmente fartos dela. Durante um encontro que tive com o presidente de uma das empresas, ele confessou-me, após um longo momento de reflexão, que o que mais odiava no seu trabalho era ter de fazer a avaliação dos seus subordinados e que essa era a altura mais infernal do ano. Surpreendente, não? E a razão que me deu foi que a avaliação individual não ajuda a resolver os problemas da empresa. Pelo contrário, agrava as coisas.

Neste caso, trata-se de uma pequena empresa privada que se preocupa com a qualidade da sua produção e não apenas por razões monetárias, mas por questões de bem-estar e convivialidade do consumidor final. O resultado é que pensar em termos de convivialidade faz melhorar a qualidade da produção e fará com que a empresa seja escolhida pelos clientes face a outras do mesmo ramo.

Para o conseguir, foi preciso que existisse cooperação dentro da empresa, sinergias entre as pessoas e que os pontos de vista contraditórios pudessem ser discutidos. E isso só é possível num ambiente de confiança mútua, de lealdade, onde ninguém tem medo de arriscar falar alto.

Se conseguirmos mostrar cientificamente, numa ou duas empresas com grande visibilidade, que este tipo de organização do trabalho funciona, teremos dado um grande passo em frente.

Versão integral da entrevista publicada no PÚBLICO

ainda a recordar epopeias

"Olhamos tudo em silêncio na linha da praia
De olhos na noite suspensos do céu que desmaia;
Ai lua nova de Outubro, trazes as chuvas e ventos,
A alma a segredar, a boca a murmurar tormentos!

Descem de nuvens de assombro taínhas e bagres
Se as aves embalam os peixes em certos milagres;
Levita-se o corpo da alma, no choro das ladainhas,
Na reza dos condenados, nas pragas dos sitiados,
Na ilha dos ladrões, quem sai?
E leva este recado ao cais:
São penas, são sinais. Adeus.

Livra-me da fome que me consome, deste frio;
Livra-me do mal desse animal que é este cio;
Livra-me do fado e se puderes abençoado
Leva-me a mim a voar pelo ar!

Como se houvesse um encanto, uma estranha magia,
O sol lentamente flutua nas margens do dia.
Despe o meu corpo corsário, seca-me a veia maruja,
Morde-me o peito aos ais, das brigas, dos punhais,
Da ilha dos ladrões, quem sai?
E leva este recado ao cais:
São penas, são sinais. Adeus.

Andamos nus e descalços, amantes, sedentos
Se o véu da noite se deita na curva do tempo.
Ai lua nova de Outubro,
Os medos são medos das chuvas e ventos,
Da alma a segredar, da boca a murmurar

Adeus"

"A ilha", Fausto

arquivos da memoria, em tempos de cagaço

Todas as semanas 50 pares de olhos. Olhares curiosos, olhares entediados, de escárnio, de tesão, de ressaca, de dormência, de cansaço. Esperam que eu os ensine, que os desembarace, que os proteja. Eu não sei nada. Sou patética no meu estrado, de giz na mão, com calafrios na barriga e uma cobarde a suspirar de alívio por eles não terem cheirado o meu medo, nem terem visto a minha ignorância. São eles que me ensinam tudo. E por eles atravesso labirintos na cidade subterrânea que cheira a merda, a ratos e a leite azedo. Vejo as caras madrugadoras, os olhos remelosos, as olheiras e a pele amarela privada do sono, os corpos que se arrastam. E depois a cidade abandona-se fora dos muros aos nomes cuspidos, escarrados da raiva de quem os condenou a chamarem-se assim: Nogent le Perreux, Noisy-le-Sec, Rosny sous Bois, Fontenay sous Bois. E depois as cités: les jardins, les boulereaux. Têm nomes de flores e de bosques que são ditos com voz de nojo e tom de vergonha. Lembro-me do quanto odiei esses prédios altos, iguais uns aos outros, de como temi o arrastar gingado daqueles corpos a defenderem-se da imobilidade de outros, os ouvidos entupidos de ritmos céleres a consolarem-se da mudez de outros, o olhar fixo e frio a defender-se da frieza do mundo. Villiers sur Marne le Plessis Trévise. Chego ao meu destino. Ainda me falta esperar pelo autocarro que atravessa a zona industrial, quase debruçada na cité que ainda dorme. Essa cité que aprendi a amar e respeitar de longe, tão importante de atravessar quanto o desgostoso Val de Marne.


Escrito em 2006 num outro blog. Dentro de uma semana e meia tenho mais 50 pares de olhos. vão ser mais velhos, provavelmente mais atentos e calmos. Eu continuo com o mesmo vulcão de agonia.

Como dizia o Fausto "E na verdade o que [nos] dói /É que não queremos ser heróis"

apetites

3h da manhã, depois de duas torradas com manteiga e um iogurte magro:

Estômago:
- MAIS!

Cérebro:
-Não, besta, estás de dieta!


(é sempre uma luta... meia frustrada)

Séries

Tenho uma capacidade anormal de ver séries de merda.
Nada de telenovelas, mas sim séries americanas de qualidade duvidosa (que vejo até ao fim!).
Hoje descobri isto:

Steven Seagal - Lawman




A sério, é demais... Um sério candidato ao 1° lugar do meu top 10 - séries merdosas!

Miep Gies (1909 - 2010)



"Je ne suis pas un héros, affirmait Miep Gies le jour de son centième anniversaire, le 15 février 2009. J'ai seulement fait ce que j'ai pu pour aider."


artigo no Le Monde

Presque en route

Mudar, nomadizar, repensar, abanar a barraca interior, arriscar. E desabafar com malta que está ainda mais nómada e mais longe. Assim escrevia eu a uma amiga:

«às vezes é muito difícil gerir os vários departamentos da vida. resta-me entregar-me ao tempo, como entregamos os corpos ao mar no Verão, deixar a vida fluir, soltar as rédeas e aceitar a minha condição de gente sem poderes divinos, aceitar que não posso controlar tudo, deixar o dia-a-dia equilibrar o cérebro, o coração e os quadris.
Depois manda a nova morada em NY, para eu te escrever de Paris.

Beijinhos»

Aceitar o acaso e o imprevisto. Não ser herói nem imortal.

Acho que afinal de contas não sou assim tão ateia, porque cada vez que me sinto desnorteada procuro respostas na lógica bruta, profunda, cruel e sem caridade do Olimpo. A minha dificuldade de crença e descrença prende-se ao facto de eu encontrar mais verdade na ficção do que na realidade. No fundo, sou só uma desajustada sem grande fé e com muita imaginação.

Uma boa bomba

Hoje acordei com uma noticia, uma bomba. Daquelas que nos faz abanar o mundo e olhar para a vida como uma fluidez diferente da habitual, com a esperança de quem tem (quase) 30 e o mundo pela frente. Vai haver reunião de muff's em Paris, vai haver jantares no indiano, muita fartazana e muitas mudanças. Ontem à noite estava a ler o Chatwin (aquele livro que eu estou a ler) e na pág.130 ele escreve que "Diversão. Fantasia. Mudança de moda, de comida, de amor e de paisagem. Precisamos dela como do ar que respiramos. Sem mudança, os nossos cérebros e corpos deterioram-se." é essa a essência de nomadizar. Precisar da mudança, ou basicamente não estagnar. Por isso muff, cá vamos nós, primeiro tu, depois eu; andarmos por ai a girar à volta do mundo, em sintonia com o universo que também ele se move, esticando ou encolhendo conforme lhe doa os calos. Cá te espero.


outra visão de Avatar - artigo Rue89

« Avatar » contre Cohn-Bendit : l'écologie doit être anticapitaliste

Une image du film "Avatar", de James Cameron

Après l'échec du Copenhague institutionnel et la vivacité du Copenhague mouvementiste, on peut être tenté de se tourner vers la vitrine du marketing électoral d'Europe-Ecologie. La bonne nouvelle ne viendrait-elle pas plutôt, et paradoxalement, d'un vieux routier de l'industrie hollywoodienne, James Cameron, avec son « Avatar » ?

En 1998, dans « Une envie de politique » (La Découverte), passé alors du statut d'icône soixante-huitarde à celui d'inspirateur d'un capitalisme vert, Daniel Cohn-Bendit écrivait ceci :

« Ce que la gauche doit donc faire valoir aujourd'hui, c'est que cette évolution a des aspects destructeurs, car la production menace de détruire la planète. Faire cette démonstration n'est pas facile, mais on peut le faire au nom même de l'économie de marché, car je suis pour le capitalisme et l'économie de marché. »

Pas le plus écolo, Marx pointait déjà la contradiction capital/nature

En se faisant le chantre d'un capitalisme chlorophyllisé et d'une écologie politique chloroformée, l'agité du bocage politicien a rejoint les rangs d'une défense consensuellement aseptisée de la nature : les Al Gore, Yann Arthus-Bertrand, Nicolas Hulot et autres Jean-Louis Borloo.

Marx, quelque peu fasciné par le productivisme industriel de son époque, n'était pas exempt d'ambiguïtés quant au rapport capitalisme/nature. Toutefois, il avait également commencé à percevoir une des contradictions principales travaillant le capitalisme en interaction avec la contradiction capital/travail : la contradiction capital/nature.

Ainsi, pour lui, la production capitaliste épuisait « les deux sources d'où jaillit toute richesse : la terre et le travailleur » (« Le Capital », livre I, 1867).

Pour Gorz, impossible d'éviter la catastrophe sans rupture radicale

André Gorz prolongea cette analyse en notre début de XXIe siècle : « La question de la sortie du capitalisme n'a jamais été plus actuelle », écrit-il dans « Ecologica » (éd. Galilée, 1998). Et d'ajouter par avance contre une possible cohn-benditsation de la radicalité écologiste :

« Il est impossible d'éviter une catastrophe climatique sans rompre radicalement avec les méthodes et la logique économique qui y mènent depuis cent cinquante ans. »

C'est dans une telle perspective que s'est récemment situé le journaliste Hervé Kempf : « Pour sauver la planète, sortez du capitalisme » (éd. du Seuil, 1999).

« Avatar » : Hollywood dans la galaxie anticapitaliste ?

Les dénonciations gauchistes du capitalisme hollywoodien sont si courantes que les esprits anticapitalistes pourraient avoir du mal à reconnaître des potentialités critiques dans une de ses productions. Et pourtant…

A des années-lumière de la Terre, la planète Pandora est sous colonisation américano-occidentale. Un minerai rare suscite la convoitise d'une multinationale (« The Company », comme dans la série des « Aliens »), appuyée par des troupes militaires.

L'argument de la rentabilité financière (la rétribution des actionnaires est directement évoquée dans le film) pousse à la double destruction de la nature et du peuple Na'vi. Ecocide et génocide constituent ici un double horizon de la logique du profit.

Cameron met en quelque sorte en images et en son une forme extrême de la contradiction capital/nature. La trame narrative de la science-fiction, reconfigurée avec de nouveaux effets spéciaux numériques, projetée en 3D, donne une vérité éthique et politique proprement cinématographique à une composition fictionnelle.

Une critique sociale, sur un plan sensible et intelligible

Ce dispositif cinématographique nous permet d'explorer au plus près de nos sensations un autre monde, celui de Pandora et des Na'vis, en jouant tour à tour sur la frayeur, la surprise ou la joie de la découverte. La critique sociale s'exprime sur un double plan sensible et intelligible.

Cet univers étrange en 3D, qui nous fait d'abord peur, puis nous émerveille, constitue moins un des « autres mondes possibles » des altermondialistes que l'envers de notre propre monde, un lieu imaginaire qui permet de mieux repérer les failles de notre réalité quotidienne à la manière de l'île d'Utopia chez Thomas More.

Certes les Na'vis ont comme un parfum New Age, traînant une vision stéréotypée de la communion de « primitifs » et de la nature. Mais le savoir-faire particulier des auteurs les plus originaux des films et des séries télévisées hollywoodiens consiste justement à prendre appui sur certains stéréotypes pour en interroger d'autres.

Nous sommes pris par la main dans la familiarité d'autoroutes standardisées, mais ça et là s'ouvrent des sentiers critiques, dans un cocktail détonnant de douces évidences et de piments plus corsés.

Sully vit une conversion existentielle, comme ces militants anticapitalistes…

L'anticapitalisme d'« Avatar » est indissociablement collectif et individuel. Se désintoxiquer de l'imaginaire capitaliste passe aussi par une transformation de soi. Jake Sully (Sam Worthington, déjà remarqué dans « Terminator 4 »), ancien marine immobilisé dans un fauteuil roulant devenant « pilote » mental d'un avatar (corps hybride d'ADN humain et de Na'vi), va connaître une véritable conversion : d'inflitré chez les Na'vi à protecteur de leur mode de vie, de soldat impérialiste à eco-warrior.

Sully a quelque parenté avec la figure des « militants existentiels » anticapitalistes, caractérisée « par un travail spirituel et politique de chacun de nous sur lui-même, soutenu par des communautés de vie », promue récemment par le philosophe de l'économie Christian Arnsperger dans son stimulant ouvrage « Ethique de l'existence post-capitaliste » (éd. du Cerf, 2009).

Cette révolution culturelle personnelle prend les chemins de la fragilité dans « Avatar » : un handicapé à l'âme guerrière, fasciné au départ par les capacités supposées illimitées de son avatar, finira par assumer ses faiblesses d'être humain mortel.

Une écologie radicale, loin des niaiseries de Borloo ou Cohn-Bendit

Cepedant, Cameron ne suivrait pas Arnsperger dans son choix de la conversion existentielle contre la voie révolutionnaire classique des rapports de forces.

Dans une conjoncture de menace extrême, « Avatar » justifie le recours au combat et à la force. Dans certaines circonstances, l'anticapitaliste vert conséquent doit aussi savoir prendre les armes (au sens métaphorique, n'impliquant pas nécessairement le maniement de la kalachnikov).

Cette écologie radicale n'a pas grand-chose à voir avec les niaiseries consensualistes de l'arc Borloo/Cohn-Bendit. Elle appelle des clivages, des conflits, des affrontements. La transformation personnelle et l'action collective contre les forces dominantes apparaissent associées et non pas opposées.

Photo : une image du film « Avatar », de James Cameron

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