Alguns defensores do Não argumentam que a relização de abortos sobrecarregará de forma intolerável o Serviço Nacional de Saúde, tanto em termos financeiros, como em termos de aumento das listas de espera para a realização de cirurgias.
Isto é falso. A maior parte dos abortos não requer hoje em dia qualquer cirurgia. Até às nove semanas de gravidez, o aborto pode em geral ser efectuado, de forma totalmente eficaz e segura, por meios químicos, através da ingestão de apenas dois comprimidos. A mulher faz uma ecografia na qual a idade do embrião é verificada através da medição do seu comprimento, o médico receita-lhe os comprimidos abortivos, que a mulher compra na farmácia e toma em sua própria casa. Uma segunda ecogafia será depois necessária para verificar que o embrião foi adequadamente expulso. Não há lugar a qualquer cirurgia, e as despesas para o Serviço Nacional de Saúde (duas ecografia, uma consulta médica, e uma caixa de comprimidos) são marginais quando comparadas com as despesas que este enfrenta com qualquer gravidez que seja levada ao seu termo.
Dados de clínicas espanholas indicam que 85% das mulheres portuguesas que nelas realizam aborto o fazem quando a gravidez tem menos de dez semanas. É de estimar, pois, que a imensa maior parte dos abortos a realizar ao abrigo da despenalização o possa ser de forma química e, portanto, com custos muito reduzidos.
De qualquer forma, a penalização do aborto hoje existente também tem custos muito elevados. O Serviço Nacional de Saúde é obrigado, na urgência, a acudir a mulheres a quem foram efectuados abortos de forma incorrecta e arriscada, com graves consequências -- por vezes irreversíveis -- para a saúde dessas mulheres. Esse atendimento de mulheres nas urgências hospitalares tem custos muito superiores aos do procedimento abortivo anteriormente descrito. Também a perseguição policial e judicial em casos de aborto tem custos, em termos de meios técnicos e humanos da polícia e dos tribunais que estão a ser delapidados na perseguição, frequentemente infrutífera, ao crime de aborto.
É importante também saber que o Serviço Nacional de Saúde não será provavelmente utilizado para se realizarem a maior parte dos abortos, tal como acontece em muitos outros países, onde as clínicas privadas são efectua a maior parte das IVGs.
Porquê dez semanas?
Os defensores do Não argumentam que não há qualquer razão para o prazo de dez semanas estipulado no referendo, e sugerem que, uma vez esse prazo aceite, qualquer outro prazo, mais alargado, poderá vir a ser no futuro igualmente tolerado.
O prazo de dez semanas é um compromisso entre o direito à vida e o direito ao planeamento familiar. É um compromisso realista, exequível. A imensa maior parte das mulheres que deseja abortar fá-lo sem problemas até às dez semanas da gravidez, conforme indica a prática das clínicas espanholas. Sendo uma solução de compromisso, o prazo de dez semanas não é imutável; não há, no entanto, quaisquer razões para que, num qualquer futuro, se venha a despenalizar o aborto num prazo mais alargado.
O prazo de dez semanas, de um ponto de vista científico, corresponde à passagem do estado de embrião ao estado de feto. Um embrião de dez semanas não tem Sistema Nervoso Central e, como tal, não sofre dôr nem tem consciência de si mesmo. À realização de um aborto dentro desse prazo não corresponde portanto qualquer experiência dolorosa ou traumática para o embrião abortado.
O progresso e a evolução da ciência permitem hoje um conhecimento e acompanhamento do desenvolvimento do bebé no seio materno acessível a todos. Na ciência moderna o feto não é um ente oculto, mas um ser humano conhecido e directamente observável
Até à oitava semana de gestação, o termo científico correcto que se deve usar é embrião, e usa-se este termo precisamente para indicar que o seu desenvolvimento ainda está nos estados iniciais. Por exemplo, até à oitava semana de gestação (décima de gravidez) ainda não existem as células que irão constituir os ossos e os músculos e os órgãos vitais ainda são imaturos. Também o sistema nervoso apenas está a dar os seus primeiros passos à oitava semana de gestação, o que descarta qualquer hipótese de consciência ou dor. Nesta fase o tamanho do embrião é de 27 a 35 mm.
Avanços recentes na cardiologia fetal mostram que o desenvolvimento do coração ocorre entre as três e as seis semanas de gestação.
Dificilmente poderá usar-se a existência de um coração (um músculo), como aquilo que determina se um ser deve ser em fase embrionária já deve ter direitos iguais equivalentes ao de um ser humano. Inclusivamente tal argumento é falacioso, pois, tal significaria que se poderia abortar antes das seis semanas de gestação (oitava de gravidez)?
A alternativa da contracepção
Alguns defensores do Não argumentam que se deve lutar firmemente contra o aborto através de uma maior disseminação dos meios contraceptivos e da educação sexual. A maior parte das pessoas concorda, de facto, com essa disseminação. Infelizmente, no entanto, a contracepção não impede a necessidade de, como último recurso, realizar abortos. Todos os métodos contraceptivos são falíveis, por razões técnicas ou humanas. Os preservativos rompem-se ou são mal colocados, as pílulas são ineficazes se tomadas em conjunção com um antibiótico, ou então as mulheres esquecem-se de as tomar, etc.
Uma mulher que decida ser sexualmente activa deve sempre ter em mente que todos os métodos de contracepção falham. Mesmo para quem usa um método contraceptivo na perfeição, não há garantias quanto à impossibilidade de engravidar. Se o seu método de contracepção tiver uma taxa de falha média de 18%, ao longo de cinco anos a hipótese de uma mulher engravidar é superior a 50%. Durante esses cinco anos, 63 em cada 100 mulheres usando um diafragma irão ficar pelo menos uma vez grávidas. 20% das mulheres jovens que iniciam a sua actividade sexual ficam grávidas durante o seu primeiro mês de actividade e 50% ficam grávidas durante os primeiros seis meses. A mulher média que utiliza contracepção reversível pode esperar ter duas gravidezes não desejadas durante a sua vida ou mesmo mais se não usar sempre contracepção. Mesmo um baixo risco de falha ao nível do contraceptivo implica um alto risco de gravidez durante uma vida de utilização desse mesmo contraceptivo.
Fonte: Contraceptive Information Resource
A necessidade da autorização do pai
Alguns defensores do Não argumentam que a autorização do pai do embrião deveria ser necessária para a realização de um aborto. Este argumento esbarra na incapacidade prática de se saber quem é esse pai antes das 11 a 13 semanas de gravidez. Após este prazo, existem testes, mas que que implicam riscos de malformação fetal. Por isso, até às 10 semanas, apenas a mulher sabe com quem teve relações sexuais e quem poderá ser o pai do embrião, mas ela pode não o querer confessar. Mesmo que a mulher afirme que o pai é um determinado homem, e mesmo que esse homem confirme, não há forma de se saber, antes da realização do aborto, se eles estão a falar verdade. É espúrio condicionar legalmente a realização do aborto ao assentimento de um qualquer homem, quando não se sabe se, de facto, esse homem é mesmo o pai do embrião a abortar.
Os apologistas do aborto invocam a sua legalização como meio de combater “o flagelo do aborto clandestino”, então será esta a metodologia que vão usar para acabar com a fuga clandestina aos impostos e aos pagamentos à Segurança Social, às cópias de CDs e DVDs, à manufactura de "roupa de marca" falsa e à corrupção?
Este argumento é baseado numa comparação desonesta do ponto de vista intelectual, assim não nos parece útil esgrimir argumentos sobre algo que é absurdo comparar (crime económico / interrupção voluntária da gravidez). Adianta apenas referir que, são um grave e frequente problema de saúde, com consequências agudas e crónicas. Para além das gravíssimas implicações na saúde da mulher, determinam gastos directos e indirectos que sobrecarregam, de modo significativo, o orçamento do SNS. Também é importante saber que quem não pode comportar uma deslocação ao estrangeiro, é quem acaba por aceitar fazer o aborto em condições menos dignas, ou seja a maioria da população.
A questão do aborto é uma questão ideológica, pois ser de direita implica ser contra, e ser de esquerda implica ser a favor
Há quem pretenda fazer crer que a questão do aborto é uma oportunidade para medir forças entre a esquerda e a direita. Ora não há nada mais falso do que isto. Há muitas pessoas de direita que são a favor de leis menos rígidas, enquanto outros de esquerda (e mesmo de extrema-esquerda, pois convém lembrar que a prática do aborto na maioria dos regimes comunistas do leste poderia implicar pena de morte) que são marcadamente contra o aborto.
Talvez o problema se coloque mais ao nível da crença religiosa, daí a confusão; visto existir uma parte da direita ligada aos sectores mais tradicionais da igreja e uma esquerda em geral tradicionalmente anti-clerical, que gosta de, irreflectidamente, combater todas as posições religiosas, o que frequentemente resulta neste tipo de leituras simplistas.
A lei em vigor é justa e equilibrada, pois abre algumas excepções, como nos casos em que a mulher é violada
Quem defende a manutenção da lei, alegando que esta salvaguarda os casos em que existe risco de vida para a mulher ou em que ela é violada, esquece-se que existem mulheres que são violadas pelos companheiros no seu próprio lar, encobrindo esta situação por medo ou por vergonha. Estas mulheres, vitimas de violência doméstica, são também discriminadas, pois não podem provar que foram vitimas de violação, sendo impedidas de praticar aborto.
A Lei tem o dever de proteger a vida desde o início
O momento do início da vida é impossível de determinar. Trata-se de um processo contínuo. Às dez semanas sabemos que o embrião não tem ainda actividade cerebral e portanto não tem consciência. Só adquire estas capacidades mais tarde, e fá-lo de forma progressiva de modo a que é impossível afirmar um momento exacto. A protecção legal e social que é dada a um ser humano não precisa portanto de se estender a um embrião.
Toda e qualquer decisão sobre o momento a partir do qual é concedida protecção legal possui alguma arbitrariedade. As dez semanas são um compromisso, e até um compromisso cauteloso.
O direito à vida é o primeiro direito
Sem dúvida. Mas os direitos humanos são convenções sociais, que são atribuídos aos seres humanos por mútuo acordo, e através da concordância ética de grande parte da sociedade. Ora, muitas pessoas consideram que um embrião humano não tem ainda todas as faculdades que lhe conferem a dignidade de um ser humano, e não pode portanto ter todos os direitos concomitantes.
Por exemplo, um embrião vítima de um aborto natural não tem em geral direito a funeral e a uma campa. Não lhe é dado um nome, nem são feitos serviços religiosos em sua honra.
Se não se tem a certeza do momento - em que o embrião começa a ter dignidade - na dúvida opte-se pela vida
Este é um entendimento comum, mas não universal. Em nosso entender, na dúvida deve-se optar pela liberdade. Na dúvida, deve-se dar às pessoas a liberdade de decidirem de acordo com a sua consciência.
Qualquer pessoa individual terá a liberdade de considerar que o seu filho embrião tem toda a dignidade e que tem o direito à vida. Mas, a Lei não deve nem tem necessidade de impor esse entendimento a todos.
Quem se sente capaz de decidir da vida ou da morte de alguém?
A Lei a ser referendada não pretende decidir da vida ou da morte de ninguém. Pretende apenas conceder às mulheres grávidas, em certas condições, o direito de decidir da vida ou da morte do embrião que transportam dentro de si, e só dele. Só essas mulheres julgarão se lhes é ou não legítimo tomar essa decisão. As mulheres que acharem que não é legítimo matarem o embrião que transportam dentro de si, terão a liberdade de não o fazer.
Fazer um aborto é traumático
Isto é sobretudo verdade no caso de abortos realizados na clandestinidade e/ou em más condições sanitárias, como actualmente. Em todo o caso, não compete à Lei proteger as pessoas, contra a sua vontade, de experiências que eventualmente se lhes possam revelar traumáticas ou geradoras de depressões.
Nenhuma das dificuldades e carências invocadas pela mãe - que pretende abortar, será alguma vez resolvida com a morte do filho
Essas dificuldades e carências poderão não ser resolvidas pelo aborto, mas eventualmente tornar-se-iam muito mais graves caso a gravidez fosse levada por diante. Uma mãe com um emprego precário, por exemplo, pode ver a sua situação muito agravada no caso de decidir levar a sua gravidez por diante - pode acabar por perder o emprego. Neste caso, o aborto não resolve a situação de precariedade laboral, mas impede que ela desemboque num despedimento. Outro exemplo: uma mãe adolescente a estudar, não melhorará a situação dos seus estudos caso realize um aborto - mas tem toda a probabilidade de piorar esses estudos caso decida, pelo contrário, levar a gravidez a termo.
Se o feto conseguisse comunicar ou emitir gemidos de dor na altura em - que o aborto decorre...
O embrião ou feto não tem sistema nervoso central antes das 12 semanas de gravidez. Não sente dor durante a realização do aborto. Muito menos tem a capacidade de comunicar quaisquer sensações. Não tem sequer consciência.
O aborto não pode ser um método contraceptivo
É sem dúvida penoso pensar que algumas mulheres possam utilizar aborto como um substituto da contracepção. No entanto, dado que a realização de um aborto não é isenta de riscos para a saúde, não é isenta de sofrimento físico e psicológico, será utilizado pela esmagadora maioria das mulheres apenas como um método de último recurso para evitar uma gravidez indesejada.
Se a mulher/mãe é criminosa ou não, o juiz a julgará
Que juiz tem o direito de efectuar tal julgamento? Que juiz pode legitimamente condenar uma mulher que abortou? Haverá um veredicto no qual toda a sociedade se possa rever? Um julgamento sobre um caso de aborto não reflectirá sobremaneira, apenas, as convicções morais próprias de cada juiz particular? E tem sentido procurar arrastar para julgamento os milhares de mulheres que, anualmente, abortam em Portugal?
E se for o aborto realizado às onze semanas? - Neste caso a mulher deve ir para a prisão? Porquê? O que mudou?
A despenalização do aborto é um compromisso entre o direito à vida e o direito a não se dar à luz uma criança indesejada. Como tal, tem que haver um limite, o qual é necessariamente artificial. A Lei está cheia de compromissos e de limites artificiais. Por exemplo, conduzir um automóvel com 0,5 gramas de álcool por litro de sangue é legal, se forem 0,51 gramas já é ilegal. Conduzir numa auto-estrada a 120 km/hora é legal, a 121 km/hora já não o é. Ninguém, a não ser os mais fundamentalistas, defende que a resolução de tais situações deva ser a proibição total.
O aborto clandestino põe em risco a vida da mulher - mas possivelmente o aborto clandestino nunca deixará de existir.
Isto é sem dúvida verdade. Mas, ao despenalizar-se o aborto, permite-se que pelo menos algumas mulheres realizem o aborto em muito melhores condições de segurança. Dá-se às mulheres a possibilidade de realizar o aborto de forma segura.
Hoje em dia são técnicos que realizam os abortos clandestinos. Os mesmos que possivelmente os irão realizar nos estabelecimentos hospitalares.
Sem dúvida. Mas um aborto realizado de forma clandestina, mesmo que por um profissional qualificado, nunca usufrui das mesmas condições de segurança que um aborto realizado em meio hospitalar, no qual todos os meios de socorro estão à mão. Por esta mesma razão se tenta que os partos sejam realizados em maternidades, e não em casa das mães...
Dizem-nos que são muitos os abortos clandestinos, portanto, o melhor será legalizar e liberalizar! Mas também há muitos roubos - legalize-se e liberalize-se. Há muita violência doméstica - legalize-se e liberalize-se. Faz algum sentido?
Trata-se de situações incomparáveis do ponto de vista moral, no entendimento de grande parte das pessoas. Não se despenaliza o aborto apenas por ele ser muito frequente, mas também porque, no entendimento de grande parte das pessoas, o aborto não causa um prejuízo moral claro a ninguém. Pelo contrário, no caso do roubo ou da violência doméstica, entende-se que são práticas moralmente graves e que prejudicam de forma muito clara alguém. Ou seja, não pretendemos que o aborto seja despenalizado apenas para lhe conceder condições de segurança e apenas porque se trata de uma prática muito frequente, mas também porque sabemos que a sua condenação moral é, no entender de muitas pessoas, duvidosa ou inexistente.