Luísa

Naquele dia os corpos desfiavam-se e fiavam-se nas rocas e teares dos
quereres apressados, enxotando os novelos de lã empilhados na despensa. Quando
os sentidos retomaram ao espaço e ao tempo de onde tinham partido,
infiltrou-se um silêncio, vindo não se sabe de onde e os ouvidos outrora
surdos ao relinchar do eléctrico escutavam agora com toda a clareza o vai e
vem dos ratos. Em Luísa o chiar dos ratos confundia-se com ecos porque
existia nela como voz interior, impossível de calar senão calando o silêncio.
«Em que pensas Mário?». «Penso neste coração gravado na máquina de costura.
Era o sinal do meu pai para a minha mãe, caso os bufos o apanhassem. Não sei
como é que a máquina não enferrujou com tanto choro, no dia em
que ela chegou a casa e a encontrou assim. Mas no dia seguinte o meu pai
voltou a meio da tarde e acabou por ser o irmão dele a ser levado para
caxias».Luísa muda de assunto, como que a tentar ouvir outra coisa que não
seja aquele chiar. «É verdade, a que horas é que chegam os teus pais?». «A
minha mãe está na feira da ladra a vender lagostins. E o meu pai já deve
estar na tasca porque folga às quartas, por isso amanhã passo o dia na baixa
a distribuir lã, para não o ter de aturar de ressaca». «O que é que faz o teu
pai?». «É projeccionista no Condes».E de repente os ratos calam-se na cabeça
de Luísa e chega-lhe uma imagem dela mesma noutra história, com outro corpo,
quase o dobro das pernas cruzadas a apanhar sol, óculos escuros e a
cabeça levantada à estrela de cinema, num descapotável parado em frente ao
mar.

2 nomades:

Anonyme a dit…
24/5/07 08:44

eu sei kem eh essa Luisa em cima dum descapotavel vermelho... eheh

Anonyme a dit…
26/5/07 13:21

Vanda carocha! cumé'quié? Andas já a destilar sonhos alfacinhas de verão... gostei da tua Luísa! Vem rápido q a gente da aí umas voltas nessa baixa! *

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