Ruínas de Sarah Kane

Estou a aplaudir sem sentir as mãos, aplaudo em instantes de autómato. Não me sinto mais, o abandono é total diante de tamanho horror. Aplaudo o espectáculo do horrendo, saio do teatro e após tamanha barbárie, algo de humano é devolvido. Choro e o Fábio não compreende, eu não o compreendo, não compreendo o tamanho de uma amargura ou lucidez que lhe permite digerir, o que eu não consigo gerir. É importante recusá-lo. Como não recusar um tamanho desalento, que nos coloca para além da impotência, pois se na impotência temos a incapacidade do gesto, no chão de todos os excrementos e cadáveres nenhum gesto terá lugar ou sentido. O palco de Sarah Kane suga-nos tudo, o perturbar sensorial bloqueia-nos qualquer razão. Já tanto faz o lugar onde acontece, tanto faz que seja a Jugoslávia dos anos 90 ou o crime de faca e alguidar da aldeia. Não compreendemos mais, compreendemos menos. Deixa de ser teatro porque rompe com a vida e desconstrói a humanidade. E ao mesmo tempo indago-me, não sentiria o mesmo fora do teatro, nunca a violência foi tão real, verdadeira e íntima a ponto de todas as dores que alguma vez senti, me parecerem pura construção do imaginário da minha cegueira, cobardia e ignorância. Mas as Ruínas de Sarah Kane não me tornam mais sábia, mais lúcida, mais corajosa. Esvaziam. Vomitaram-me na cara. A única forma de agir depois delas é fechar a porta e esforçar-me por esquecer o que vi. Antes a cobardia e cegueira na ilusão dos bons dias que passamos a cada vizinho, do que as ruínas em que se enforcou a dramaturga. O gesto de uma microconstrução apenas útil num microcosmos e absolutamente vã e patética. Destruir, mostrou ela. Plutôt la vie, Sarah Kane!

2 nomades:

Anonyme a dit…
31/5/07 21:54

Epah... tu não eras assim! ;)

catarina a dit…
31/5/07 22:37

só pode ser uma rabanada ;))))

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