arminda

Queixa-se o nariz de arminda, sem compreender de onde vem o cheiro a ratos. Raios partam estes trópicos que me fazem suar a casa, me empestam o corpo encardido e que não me deixam dormir a catraia abafada a empurrar a manta de linho. Sem avisar, o augusto chega a casa, torneia-lhe as ancas, sopra-lhe ao ouvido com a voz do desejo que se mistura com a do cansaço, com a fome dos frigoles já arrefecidos. E ralha de seguida, porque a arminda o afasta, a arminda que não se atreve a dizer-lhe o que é que lhe arrefece a fome. Da última vez deitou-lhe os comprimidos pela janela. Essas drogas, esses venenos tiram-te a vontade de mim. E a arminda a chorar e a gesticular que não são venenos, que ela tem sorte em ter encontrado um médico sabido das coisas, que nem na terra dela, nem em lisboa se sonhou achar tal remédio, porque a gente não dá conta de mais filhos agora, augusto, pelo menos até acabares os teus estudos e abraça-o e insiste que ainda o quer. Porque é mais fácil acordar o desejo do que adormecer aquela criança, quanto mais pensar fazer outra nestes trópicos. E durante estes pensamentos de arminda, augusto levanta-se com o corpo ainda quente e abeira-se do berço de luísa, para descobrir o que a faz chorar e empurrar a manta de linho. O nariz de arminda não se engana, nem os ouvidos e os sentidos de mãe que ouvem augusto gritar. Uma ratazana arminda, uma ratazana que vai buscar linho à manta da menina, para alimentar uma ninhada deles. E a arminda mãe só de uma cria a medir forças com a bicha, a enxotá-la dali para fora e a matar-lhe a ninhada de ratos com ar de embriões minúsculos, roxos e medonhos. Que se naquela casa não há lugar para mais filhos dela, também não há lugar para os filhos dos outros. E a arminda a chorar e a beber chá de hortelã pimenta para enganar a lua, depois de o augusto lhe deitar as pílulas pela janela e lhe chamar desgraçada. E o augusto a indagar porque é que não tem uma mulher como as outras, o augusto sem suspeitar que já teve o ar medonho daqueles ratos a roer a barriga de outra desgraçada, sem suspeitar que a mulher dele é como as outras e que as outras todas são como a lua e que consoante a lua é que são horas de desejar ou de parir.

7 nomades:

Anonyme a dit…
6/2/07 04:01

Amo a forma como juntas as palavras e as fazes cantar emoções, desejos, medos.
És o meu céu.
Todos os dias te sinto a respirar em mim, mesmo sem te ver.
Por aí fora... vamos?
*

Catarina a dit…
8/2/07 17:42

Está lindo o texto, Tita. Lindo, lindo!
Bjs

Anonyme a dit…
13/2/07 15:55

gaja:sabes que eu sou sempre mirone assidua, mas comentarios é que ja nao é comigo... mas desta vez nao consegui evitar!viva a lua e as armindas.

El-Gee a dit…
14/2/07 15:52

espantoso.

El-Gee a dit…
14/2/07 15:53

ah, e alguém aqui anda a ler García Marquez com olhos de ler..! Parabéns.

catarina a dit…
17/2/07 01:22

gaja: ainda bem que gostaste e fico feliz que me tenhas vindo dar uma palavrinha. já ando com saudades tuas. temos de fazer alguma coisa, agora que me pararam as náuseas e já que respiras melhor, siga comemorar uma nova fase da lua. beijinhos et à ton étoile.

catarina a dit…
17/2/07 01:31

caro el-gee, agradeço o comentário e a sugestão pq a verdade é q o García Marquez ainda não pegou nos meus sentidos, apesar de já lhe ter passado os olhos. Tomo o elogio como um estímulo para colmatar a minha lacuna literária.

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